segunda-feira, 27 de junho de 2011

Com poucas ciclovias, quem anda de bicicleta no DF precisa redobrar atenção

Com poucas ciclovias, quem anda de bicicleta no DF precisa redobrar atenção

Marco Prates

Publicação: 27/06/2011 08:00 Atualização:

Na manhã de ontem, dois amigos que andavam de bicicleta foram atropelados no fim do Eixão Norte (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Na manhã de ontem, dois amigos que andavam de bicicleta foram atropelados no fim do Eixão Norte

A convivência entre ciclistas e motoristas nas vias do Distrito Federal nem sempre é pacífica. Quando ocorrem acidentes, o lado mais fraco sempre leva a pior. Foi o que ocorreu ontem com dois amigos, Luciano Coelho, 34 anos, e Ricardo Schonbooh, 36, que acabaram surpreendidos no fim do Eixão Norte, pouco antes da Ponte do Bragueto, por um Corolla preto. O veículo colidiu com a traseira das bicicletas guiadas pelos dois homens.

O acidente reforça a ideia de que Brasília que acolhe mal veículos não motorizados. As largas avenidas no centro da capital são apenas para automóveis. Mesmo vias construídas recentemente, como a nova Estrada Parque Taguatinga (EPTG), são reformadas apenas para abrigar melhor a crescente frota de carros. Assim, com apenas 42 quilômetros de pistas reservadas às bicicletas em todo o DF, na maioria dos trajetos motoristas e ciclistas precisam dividir o espaço.

As regras estão no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), desconhecido pela maioria dos que se aventuram no asfalto, sobre duas ou quatro rodas.Na colisão de ontem, os dois ciclistas seguiam à direita da pista, no sentido do fluxo, rumo ao Lago Norte.

A motorista Anaya Martins Carvalho, 28 anos, alegou não ter visto a dupla por causa da incidência da luz do sol no para-brisa do veículo. Ela se recusou a fazer o teste de bafômetro, foi multada em R$ 957, teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) recolhida e vai responder a processo. Segundo familiares, Anaya voltava da festa de casamento da melhor amiga, que ela própria havia ajudado a organizar. Ela negou que tivesse ingerido bebida alcoólica.

Luciano e Ricardo, apesar do estrago deixado no veículo, não tiveram fraturas nem lesões sérias, mas passaram o dia em observação na ala de neurocirurgia do Hospital de Base.Mesmo quando não há acidentes, a competição entre carro e bicicleta pode ser vista diariamente. “O motorista é muito mal-educado e acha que bicicleta não é transporte”, reclama o cartunista Luigi Pedone, que pedala 60 quilômetros todos os dias, para ir e voltar do Plano Piloto, onde trabalha, e Sobradinho, onde mora.

Condutores de veículos motorizados, por sua vez, protestam. “Alguns fazem coisas absurdas e são muito desatentos”, afirma o motorista de ônibus Lourival Pereira, 43 anos. Para Márcio de Andrade, diretor do Instituto Nacional de Educação de Trânsito (Inetran), a maior parte das rusgas entre as partes poderia ser evitada com o cumprimento da legislação existente (Veja O que diz a lei).

Distância mínima
Muitos motoristas não sabem, por exemplo, que é preciso manter uma distância mínima de 1,5 metro ao ultrapassar um ciclista que segue pelo lado direito. “É preciso diminuir a velocidade. Se algum outro vem no sentido contrário, ele terá que esperar”, afirma o especialista Márcio de Andrade. Nesse caso, segue-se o princípio de que, no trânsito, o mais forte protege o mais fraco.Alguns dos que andam de bicicleta pelas vias do DF também têm sua cota de responsabilidade nos acidentes. Na última sexta-feira, dos 10 ciclistas encontrados pela reportagem na Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB), por volta das 15h, cinco seguiam no sentido contrário da via, o que é proibido. Um deles era o armador Francimar Pereira dos Santos, 23 anos, que disse conhecer as normas. “Mas assim a visão é melhor. De costas, não vejo nada”, afirma Francimar, que mora no Riacho Fundo 1 e trabalha em Samambaia.

Para o especialista Márcio de Andrade, há uma razão forte para essa determinação. “Em uma colisão, você tem somadas as velocidades nos dois sentidos. O impacto e o estrago são muito maiores.”Por lei, as autoridades de trânsito são responsáveis por fiscalizar e punir as infrações cometidas.

Na prática, no entanto, ninguém é multado. Ciclistas que andam em áreas proibidas ou seguem em fluxo contrário ao da via, por exemplo, são apenas advertidos. “A abordagem termina em orientação. O agente não vai vincular a infração com bicicleta à carteira de motorista dele”, afirma o diretor de educação do Detran, Marcelo Granja.

Atenção
Enquanto o programa de ciclovias do GDF, iniciado em 2006, planeja construir 600 km de vias para ciclistas não avança, a ordem é manter a atenção para reduzir as mortes nas pistas do Distrito Federal. Segundo o Detran, em 2010, foram 34. Até março deste ano, sete.

O que diz a lei
O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997) dispõe, entre outros temas, sobre regras e penalidades envolvendo ciclistas e condutores de automóveis.
O artigo 29, parágrafo XII, inciso 2º, estabelece que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Significa dizer que as bicicletas têm prioridade, por exemplo, numa manobra de mudança de direção.
O artigo 58 estabelece ainda que “nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nas bordas da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores”.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ONG Rodas da Paz elege nova diretoria!

No dia 9 de junho, foi eleita em assembleia geral a nova diretoria da ONG Rodas da Paz, num processo democrático e transparente. Uma nova equipe passa a assumir a administração da entidade, na certeza de trilhar um gratificante e árduo caminho neste próximo biênio de gestão.



Novos sócios e parceiros também se congregaram para fazer crescer ainda mais o conjunto de colaboradores, bem como acrescentar ainda mais valor às nossas atividades.


Acreditamos que os trabalhos a serem desenvolvidos devem ter sempre a mobilidade sustentável como norteamento, tendo a construção de uma sociedade mais agradável, digna e justa como um horizonte possível a ser alcançado, onde a bicicleta possa ser segura e amplamente usada como meio de locomoção tranquilo e inclusivo.


Nossos objetivos vislumbram o usuário da bicicleta como transporte diário ou esporádico, no lazer e esporte. Nossos compromissos se firmam no diálogo constante com o poder público, sociedade civil e empresas públicas e privadas, fomentando a mobilização pela causa da bicicleta como meio de locomoção a ser assegurando e integrado a outros modais, numa articulação pautada pela garantia do direito à vida e à sua qualidade.


A Ong Rodas da Paz, de grande renome em Brasília, possui uma trajetória de reconhecimento amplo e respeitável, e nos propomos a solidificar este legado. Agradecemos à gestão anterior por todo o empenho prestado e pelos votos de confiança em nós depositados. Agora se inicia uma nova jornada, com muito trabalho pela frente e boas perspectivas de mudança e atuação.



Convidamos a todos e todas (sócios, parceiros, voluntários e colaboradores) para se juntarem a nós nesse processo e construirmos juntos uma organização comprometida com a mudança de nossa sociedade para um espaço de maior convívio social.

Atenciosamente,

Uirá Lourenço
Presidente

Beth Davison
Vice-Presidente

Mara Marchetti
Secretária Executiva

Ana Júlia Pinheiro
Secretária de Comunicação

Jonas Bertucci
Secretário Financeiro

Vinícius Vianna
Secretário Executivo

Pérsio Mario Davison
Secretário Institucional

Conselho Fiscal
Wilson Brasil, Gilvan João da Silva e Viviane dos Santos Brandão









Da esquerda para a direita:
Vinicius Vianna, Ana Júlia Pinheiro, Pérsio Davison, Mara Marchetti, Beth Davison, Uirá Lourenço e Jonas Bertucci

terça-feira, 7 de junho de 2011

Frente Parlamentar em Defesa das Ciclovias deve ser criada

Extraído de: PT na Câmara - Site Oficial da Liderança do PT - 30 de Maio de 2011

A deputada Marina Sant'Anna (PT-GO) está recolhendo assinaturas de deputados (as) e senadores (as) para a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Ciclovias. Segundo a deputada, o objetivo da Frente é contribuir para a humanização do trânsito, com a adoção de vias que permitam o uso das bicicletas como meio de transporte de baixo custo, ambientalmente correto e fisicamente saudável. "O país precisa democratizar o acesso às vias públicas. E isso só pode acontecer com a construção de ciclovias, principalmente nas grandes cidades, visando reduzir o número de acidentes fatais e congestionamentos, incentivar a atividade física, baratear os custos de transporte para o trabalhador, além de diminuir a poluição sonora e a emissão de poluentes no ar", argumenta.

Para Marina, apesar dos projetos de alargamento das vias públicas e construção de viadutos, por exemplo, já é perceptível o esgotamento das soluções para se melhorar as condições do trânsito nas metrópoles brasileiras. De acordo com a deputada, o uso da bicicleta viria solucionar esse tipo de problema pois, além de viável, esse meio de transporte pode ser adotado em qualquer cidade, seja plana, montanhosa ou mesmo sob qualquer tipo de clima.

Para que isso ocorra, lembra a deputada, é preciso garantir a construção de vias seguras para o uso das bicicletas. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), cabe aos órgãos e entidades rodoviários da União, Estados, Distrito Federal e municípios promover o desenvolvimento da circulação e a segurança dos ciclistas".

Os deputados petistas Ságuas Moraes (PT-MT) e Vicentinho (PT-SP) também trabalham pela viabilização da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Ciclovias.

Héber Carvalho


Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/politica/7075571/frente-parlamentar-em-defesa-das-ciclovias-deve-ser-criada

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mapeamento ajuda ciclista a escolher melhor rota

CRISTINA MORENO DE CASTRO
DE SÃO PAULO


Quem sai de bicicleta da praça Oswaldo Cruz, no Paraíso, em direção à praça Itália, próxima ao largo da Batata, tem dois percursos possíveis: o óbvio e o alternativo.

O óbvio é aquele geralmente usado por quem anda de carro, passando por toda a extensão da avenida Paulista e, depois, da Rebouças.

O alternativo não passa por nenhuma grande avenida e faz um ziguezague dentro dos bairros.

Esse segundo trajeto é mais seguro para os ciclistas: passa por ruas com menos movimento de veículos pesados, mais planas, também largas e até mais arborizadas.

É a rota que ciclistas experientes costumam escolher, depois de alguma prática.

Foi com isso em mente que o pesquisador do Cebrap Leandro Valverdes idealizou um projeto que já tinha sido pensado por outros ciclistas e que já é adotado em cidades como Nova Iorque: o mapeamento de ciclo-rotas para quem usa a bicicleta como meio de transporte no centro expandido paulistano.

"A chave para pedalar em São Paulo é a escolha dos caminhos, que não coincidem com os caminhos feitos de carro", diz Valverdes.

A jornalista Verônica Mambrini, 28, demorou algumas semanas para ter esse "estalo" quando começou a pedalar para o trabalho, no trajeto Pompeia-Lapa, há quatro anos. No começo, ela ia pela av. Pompeia, passava pelo viaduto da Antártica e seguia pela av. Marquês de São Vicente. Depois, passou a usar apenas as vias dentro do bairro Vila Romana.

"Pelas ciclo-rotas dá para dar uma relaxada, pedalar mais tranquila". Para quem é adepta do movimento "cycle chic", que prefere pedalar com a roupa do trabalho --inclusive salto alto e maquiagem--, tranquilidade é um alvo, que Verônica busca em conversas com amigos mais experientes.

O empresário Eduardo Grigoletto, 33, também gostou da ideia das ciclo-rotas. Hoje ele faz o próprio roteiro com ajuda do Google Maps, mas diz que há caminhos sem alternativas, como o que ele percorria diariamente entre o Planalto Paulista, perto do aeroporto de Congonhas, e o Bom Retiro --passando por avenidas grandes como Jabaquara, Domingos de Moraes, Vergueiro e Tiradentes.

O projeto, financiado pela Secretaria Municipal de Esportes, começou há duas semanas com um levantamento prévio dos polos geradores de viagem da cidade, como escolas, universidades, comércios, equipamentos culturais e estações de metrô.

Na semana que vem, três ciclistas, munidos de GPS, vão percorrer as ruas num trabalho de campo, para traçar os melhores roteiros, considerando o tráfego, a largura das vias, os morros, qualidade do piso, arborização e presença de atrativos culturais. A ideia é que em setembro o mapa já esteja pronto e possa ser usado inclusive pela sinalização da CET.

Em 2010, 49 ciclistas morreram em acidentes de trânsito --foram 61 em 2009.


segunda-feira, 23 de maio de 2011

Pedalando no vazio

Das 19 estações de aluguel de bicicletas espalhadas pela Zona Sul, 13 estão fora de operação


Publicada em 20/05/2011 às 23h57m
Ludmilla de Lima


RIO - O projeto Pedala Rio anda mal das pernas. Das 19 estações de bicicletas para aluguel espalhadas na Zona Sul, 13 não funcionavam na sexta-feira. Pelo mapa disponível no site www.mobilicidade.com.br, onde é possível checar endereços, vagas e bicicletas disponíveis, todos os 13 pontos estavam em manutenção. As seis estações que apareciam como ativas na página contavam apenas com 14 bicicletas. Quem pretendia usar o sistema como meio de transporte até o metrô teve que gastar sola de sapato: os pontos localizados nas estações Siqueira Campos, Cardeal Arcoverde, em Copacabana, e General Osório, em Ipanema, estavam sem operar, inclusive para receber devoluções.

Apenas as estações do Pedala Rio na Praça Santos Dumont (Gávea), na Lagoa (na altura da Rua Maria Quitéria), na estação Cantagalo do metrô, no Posto 6, na Avenida Atlântica com a Rua Miguel Lemos e na esquina com a Rua Santa Clara (as quatro últimas em Copacabana) funcionavam normalmente.

Empresa negocia ampliação do serviço com prefeitura

Presidente da ONG Transporte Ativo, José Lobo diz que há mais de um mês percebe o esvaziamento do programa.

" O sistema de retirada e de cadastramento sempre funcionou perfeitamente. Mas agora há um problema de esvaziamento, gerando dificuldade para um uso contínuo das bicicletas, principalmente como meio de transporte." - diz o ciclista, que costumava usar as bicicletas para ir de casa, em Copacabana, até o metrô. - "O sistema é excelente. Quando estava em pleno funcionamento, eu usava direto. Não uso mais porque não há garantia de encontrar uma bicicleta na estação que vou procurar."

O sistema, inspirado no Vélib francês, é operado pela Serttel, que tem a concessão do serviço, licitado pela prefeitura. Gerente da empresa no Rio, Leandro Araújo alega que os problemas constatados pelo GLOBO começaram com as últimas chuvas que caíram na cidade. Ele garantiu que, até o fim deste sábado, todas as estações - nos bairros do Leblon, de Ipanema, Copacabana e Lagoa - estarão funcionando.

De acordo com a empresa, os pontos são gerenciados por computador e abastecidos com energia solar. Com o tempo instável, as baterias teriam descarregado. Por isso, serão trocadas por novas. O sistema ainda teria enfrentado, nos últimos dias, dificuldades com a banda larga 3G, usada para conectar as estações à central de controle.

Na manhã de sexta-feira, uma equipe fazia a manutenção da estação do Jardim de Alah, em Ipanema.

"Desde quarta-feira estamos enfrentando problemas com energia e internet. Mas no máximo até amanhã (sábado) as estações voltarão a funcionar." - garantiu o gerente.

Ele disse que o Pedala Rio tem 70 bicicletas Samba (Solução Alternativa para a Mobilidade por Bicicletas de Aluguel), distribuídas por 19 estações.

O engenheiro Francisco Loureiro, que mora em Brasília, observava na sexta-feira uma das estações da Lagoa. A vontade de experimentar foi frustrada pela notícia das falhas no sistema.

"Parece que o sistema não está muito amigável." - comentou o engenheiro.

Pelos cálculos da Serttel, por mês são feitas mil viagens com as bicicletas Samba. Apesar dos obstáculos, o presidente da empresa, Angelo Leite, informou que negocia com a prefeitura a ampliação do Pedala Rio na Zona Sul:

"Estamos discutindo aumentar para 60 o número de estações na Zona Sul ainda este ano. Já entregamos à prefeitura um levantamento de pontos. Vamos praticamente triplicar a quantidade de estações, incluindo em Botafogo e Flamengo."

Em menos de um mês, 56 bicicletas foram furtadas

O Pedala Rio já enfrentou outros problemas desde a sua implantação, em janeiro de 2009. Em dezembro de 2009, o serviço foi suspenso por causa do furto, em menos de um mês, de 56 bicicletas, de um total de cem existentes na época. O sistema só foi retomado em março do ano passado. No entanto, nos dois meses seguintes, mais 17 bicicletas foram levadas por ladrões. O presidente da Serttel afirma que os casos de vandalismo e furto diminuíram depois de adotadas medidas de reforço na segurança.



FONTE:

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Economista em Brasília troca carro por 16.960 passos para ir ao trabalho

17/05/2011 07h00 - Atualizado em 17/05/2011 07h00

Ele percorre 8 km por dia, ida e volta, de casa para o centro da cidade.
Em 1973, cidade tinha um semáforo; hoje, frota é de 1,2 milhão de veículos.

Rafaela Céo
Do G1 DF

Quando o economista paulistano Pérsio Davison, de 63 anos, mudou-se para Brasília, em 1973, encontrou uma cidade ainda em construção, habitada por cerca de 200 mil pessoas. As ruas vazias e as grandes distâncias convidavam ao uso do carro. Na lembrança do economista ficou o fato de a capital, naquela época, contar com apenas um semáforo. Apesar das facilidades do transporte individual de uma Brasília jovem, Davison já gostava de fazer suas caminhadas.

Na série Vida em trânsito, o G1 vai mostrar como a rotina de pessoas em diferentes lugares no Brasil, em cidades de tamanhos diversos, tem passado por mudanças por causa do tráfego intenso. E o seu cotidiano, mudou por conta do trânsito? Deixe sua história na área de comentários ao final da reportagem.

Com o crescimento do Distrito Federal, que hoje conta com uma frota de mais de 1,2 milhão de veículos e transporte público alvo de constates reclamações da população, o hobby do economista virou também necessidade. Hoje, a rotina dele inclui fazer o percurso de ida e volta para o trabalho a pé. “Comecei a ter a essa visão das dificuldades do transporte individual e a tensão na direção”, diz.

Da quadra 308 Sul, onde mora, ao Setor Bancário Sul, no centro da capital, local de trabalho de Davison, são cerca de quatro quilômetros – trajeto percorrido em 40 minutos.

O economista conta que certa vez, por curiosidade, resolveu calcular quantos passos eram necessários para atravessar uma das superquadras típicas de Brasília. Foram 530 para cobrir a extensão de 250 metros. Por essa média, Davison dá 16.960 passos diários para cobrir os 8 quilômetros do percurso de ida e volta entre a casa e o trabalho.

“Se eu fosse de carro, certamente gastaria 15 minutos a menos, mas penso que essa diferença de tempo é uma oportunidade de me dedicar mais a mim. No fim do dia, usei mais de uma hora para minha saúde”, calcula.

Na conta também entram a energia e o tempo gastos em engarrafamentos. “Quando você está preso dentro do carro num congestionamento, há a tensão e não há a ação. Isso se reflete em como a pessoa começa o dia, tensa e irritada”, avalia.

A escolha pela caminhada também evita um problema recorrente na área central de Brasília: a falta de vagas. “Às vezes tentamos fazer uma reunião de trabalho e os convidados não comparecem por causa da dificuldade de encontrar vaga para estacionar”, conta o economista.


Para ele, as pessoas já começaram a refletir sobre as restrições causadas pela opção de mobilidade. “Estamos vivendo um delírio em relação ao transporte individual. Mas estamos começando a perceber as dificuldades. As pessoas estão tomando consciência e se percebem dentro do contexto”, comenta Davison.

O economista, que usa o carro para ir ao trabalho apenas ocasionalmente, cerca de quatro vezes por mês, disse que a cidade de 51 anos precisa planejar uma saída para os dilemas de mobilidade urbana que enfrenta.

“Temos que ter habilidade de pensar Brasília daqui a 50 anos. Precisamos romper com algumas lógicas em vigor. O fato de a cidade ter sido pensada como moderna para a indústria automobilística não significa que ela vai ser moderna utilizando apenas essa opção”, afirmou.



FONTE

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Lições do churrascão

Lições do churrascão

A polêmica da estação Angélica parece indicar que os paulistanos se cansaram de projetos anunciados e desmentidos ao sabor das pressões de interesses


RAQUEL ROLNIK

Em protesto contra a reação negativa de moradores de Higienópolis, um dos bairros mais nobres de São Paulo, à construção de uma estação de metrô na Avenida Angélica, internautas marcaram através do Facebook um churrascão em frente ao Shopping Higienópolis. A polêmica estourou na web a partir do anúncio, por parte da Companhia do Metrô, de que a nova estação da Linha 6 não seria mais localizada na Angélica. Na sexta-feira pela manhã, quando o proponente decidiu cancelar o churrasco, quase 50 mil pessoas já haviam aderido ao protesto e o assunto ganhara as páginas dos jornais, com discussões técnicas sobre a localização da estação, análises sociológicas sobre o comportamento dos moradores contra e a favor da estação e declarações de representantes do Metrô procurando negar qualquer motivação que não fosse "estritamente técnica" em sua decisão.


Marcio Fernandes/AEMetrô afirma que decisão foi 'estritamente técnica'Para além do debate sobre a melhor localização da nova estação, e até mesmo da prioridade dessa estação (e dessa linha!) em relação às gigantescas demandas de transporte coletivo de qualidade na região metropolitana de São Paulo, a polêmica dos últimos dias finalmente desnudou dois temas da maior importância para o urbanismo brasileiro, cuja discussão esteve restrita até agora a pequenos círculos acadêmicos e, com esse debate, ganha as ruas da cidade.

O primeiro tem a ver com o modelo de cidade que tem orientado o desenvolvimento de São Paulo (e das cidades brasileiras) pelo menos desde o final do séc 19: um urbanismo segundo o qual "qualidade" é sinônimo de "exclusividade". Sua produção e hegemonia na política urbana se sustentam por meio de uma coalizão de interesses econômicos com grande capacidade de influenciar as decisões políticas de investimentos e legislação na cidade.

O nascimento do bairro de Higienópolis no final do século 19, na sequência de empreendimentos semelhantes (Campos Elísios, Vila Buarque, Av. Paulista) revela este mecanismo: o abandono dos velhos sobrados de taipa no triângulo central por chateaux, chalets e cottages circundados por jardins nos novos bairros se beneficiou da construção do Viaduto do Chá, em um movimento que aliou uma reterritorialização das elites ao emergente negócio de terras - o loteamento. Foi essa a trajetória de d. Angélica, filha do Barão de Souza Queiroz, que, ao deixar de viver em sua fazenda, em 1874, fixou residência na Chácara das Palmeiras, onde mandou edificar na esquina da Angélica com a Al. Barros uma réplica do castelo de Charlottenburg, conforme planos, materiais e decoração encomendados na Alemanha.

O prestígio dessas nobres residências contribuiu indubitavelmente para o sucesso dos "loteamentos exclusivos", abertos na cidade na década de 1890. Sua localização - a Chácara do Carvalho e o Palácio de Elias Chaves nos Campos Elísios, o palacete da Vila Maria na Vila Buarque e o palacete de d. Angélica em Higienópolis - coincidia exatamente com a dos primeiros empreendimentos desse tipo. A construção do Viaduto do Chá foi fundamental para essa marcha ao sudoeste que se seguiria. Sua instalação viabilizaria os mais importantes empreendimentos imobiliários do final do século 19: Higienópolis e Paulista. Neles se envolveram proprietários de terras, investidores potenciais, engenheiros e políticos.

Na esteira de investimentos urbanos (esses bairros já eram abertos contando com rede de água, esgoto, gás e bonde, quando seus contemporâneos bairros operários Brás e Mooca, por exemplo, demoraram décadas para receber a mesma infraestrutura), uma legislação urbanística garantia a exclusividade, definindo um padrão de grandes lotes, uso exclusivamente residencial e obrigatoriedade de recuos. A verticalização do bairro de Higienópolis, que se intensificou a partir dos anos 70, mudou esse perfil, mas não desconstruiu, simbolicamente, o projeto.

A resistência que o bairro tem hoje para receber uma estação de metrô está justamente relacionada com a sua possível popularização e, consequentemente, a desvalorização imobiliária - uma postura rejeitada por muitos, inclusive moradores do próprio bairro, como bem demonstram as manifestações dos internautas, que ao rejeitá-la, afirmam o desejo de uma cidade heterogênea, multiclassista, multiétnica e multifuncional.

A direção do Metrô afirmou em nota oficial que a decisão de mudar a localização da estação se deu por razões técnicas (excessiva proximidade entre as estações Angélica e Higienópolis/Mackenzie) e não para atender à solicitação de moradores insatisfeitos. Entretanto, os anúncios (e "desanúncios") de linhas e estações, metrôs que viram monotrilhos e corredores de ônibus que aparecem e desaparecem dos "planos" do governo evidenciam um segundo ponto essencial que bloqueia o desenvolvimento de um urbanismo de qualidade para todos: o processo decisório dos investimentos da cidade.

Na ausência de um processo de planejamento estável - aliado a uma estratégia urbanística pactuada coletivamente na cidade -, os planos e projetos são anunciados e desmentidos ao sabor das pressões dos interesses que conseguem ter acesso à mesa de decisão. Aqui, mais uma vez, convergem de forma perversa coalizões de interesses econômicos enlaçados - por relações pessoais ou de classe - com interesses políticos.

O recado que a polêmica da estação Angélica parece dar é que os cidadãos paulistanos estão cada vez mais cansados desse modelo.

RAQUEL ROLNIK É URBANISTA, PROFESSORA DA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA USP

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sobre carros e lobos


Por que somos tão selvagens no trânsito?

texto Roberta De Lucca / ilustrações Japs / design Adriana Wolff

Rush. Era com essa palavra inglesa que no Brasil de décadas atrás nos referíamos aos horários de pico no trânsito - o começo e o fim do dia. O rush, naquela época, era traduzido em uma pessoa chegar 15 minutos mais tarde a algum lugar. Sim, míseros 15 minutos eram sinal de que as coisas não iam muito bem. Falar em atraso semelhante hoje equivale a dizer que (ufa, graças a Deus!) chegamos na hora, fomos pontuais. O tempo gasto em deslocamentos nos grandes centros urbanos tem piorado ano a ano. Moradores de cidades como São Paulo, por exemplo, perdem cerca de 2 horas e 40 minutos diários dirigindo num ritmo de tartaruga. É um teste de paciência que poucos tiram de letra e com bom humor.

Não é fácil perceber-se privado da mobilidade em um ambiente em que deveria ocorrer o inverso. O automóvel, afi nal, foi inventado para transportar as pessoas com mais rapidez que um cavalo, carroça ou trem e não para imobilizá-las, como praticamente acontece hoje nas cidades mais populosas do mundo. Não é novidade o fato de que, abarrotadas de veículos, elas estão quase parando. Mas poucos percebem que junto com isso há uma transformação social que não se resolve com políticas de mobilidade urbana: as pessoas estão cada vez mais desumanas no trânsito e não dá para engatar a marcha à ré e fugir dessa realidade.

O incrível é que esse comportamento foi anunciado há tempos. Em 1950, quando o Brasil somava 426 mil veículos (hoje somente a capital paulista conta 7 milhões), a Walt Disney Company lançou o curta-metragem Motor Mania retratando como o boapraça Pateta se transformava em um "monstrorista" ao simples girar da ignição de seu carro. Bastava ele pisar no acelerador para arreganhar os dentes, eriçar os pelos e sair dirigindo como um desvairado, metendo a mão na buzina, xingando e costurando os outros motoristas (para assistir ao fi lme, digite "Pateta no Trânsito", no YouTube). Visionário que era, Disney não só fez uma crítica ao comportamento ao volante como também já preconizava como as relações entre os motoristas se agravariam.

Na defensiva Essa mudança sobre rodas é reflexo do comportamento individual das pessoas, aliado ao sistema de trânsito de cada país e à eficiência (ou não) da fi scalização e punição dos infratores. "Na Suíça, os condutores param diante da faixa de pedestres ou das placas ‘Pare’ até quando não tem gente por perto", conta Patrícia Cabral, que vive mudando de país devido às transferências do marido, executivo de multinacional. Em contrapartida, em países megapopulosos como a Índia, a situação é completamente inversa. Nova Délhi, que foi ranqueada em uma pesquisa da IBM como a quinta cidade com o trânsito mais desgastante do mundo (seguida por São Paulo), é um desafi o até para os mais destemidos. Além dos elementos básicos do trânsito - pedestres, bicicletas, motocicletas, carros, vans, carretas, ônibus e caminhões -, há riquixás, carroças, charretes, vacas, cachorros, elefantes, cavalos, camelos, cortejos fúnebres a pé e, claro, um mar de pessoas que, sem espaço nas calçadas, invade as ruas de caminho rente ao meio-fi o. Tudo isso embalado por um buzinaço incessante de enlouquecer qualquer um.

No livro Por Que Dirigimos Assim?, o jornalista norte-americano Tom Vanderbilt cita uma explicação do ex-líder de policiamento de trânsito de Nova Délhi sobre o caos nas ruas: "A presença de uma vaca em uma área urbana congestionada não representa um perigo (...), também força o motorista a desacelerar. O impacto geral é reduzir a tendência de exceder a velocidade e de um comportamento imprudente e negligente ao volante." Ao ler isso, entendi por que não vi um acidente de trânsito grave quando estive na Índia. Presenciei discussões entre motoristas (o do nosso riquixá quando ele raspou num carro novinho, por exemplo) que não resvalaram para a agressividade, fi caram só em alguns xingamentos.

Em outros países, a situação não é bem essa. Aqui mesmo, no Brasil, uma discussão mais acalorada entre condutores pode resultar em agressão física e até em tiroteio. Por que isso acontece? Não porque a sociedade ocidental ande armada até os dentes, mas porque as pessoas, principalmente quem as que dirigem carros, saem de casa com um pensamento bélico na mente. "Elas têm a sensação de que em algum momento vão ser sacaneadas enquanto estão dirigindo e já se previnem contra isso", diz Pedro Paulino, psicólogo do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ou seja, já giramos a chave predispostos a sermos atacados e a nos defender - "e reagir contra qualquer tipo de violência é inato do ser humano", justifica Paulino.

Selva no asfalto
O resultado é um rosário de mau comportamento. Motoristas que fecham cruzamentos, que jogam farol alto no carro da frente porque ele está devagar, que aceleram tão logo o semáforo abre forçando a barra para o pedestre atravessar correndo. Sem falar nos apressados crônicos que fazem conversões proibidas, dirigem na contramão e não fi cam felizes se não sentam a mão na buzina vez ou outra. É um imbróglio tremendo que embute valores de hierarquia social e de pseudoproteção.

No artigo "A Ideologia Social do Automóvel "(publicado no livro Apocalipse Motorizado), o fi lósofo austro-francês André Gorz escreve: "Quando foi inventado, o carro tinha a fi nalidade de proporcionar a alguns burgueses muito ricos um privilégio totalmente inédito: o de circular muito mais rapidamente do que todos os demais. Ninguém até então tinha sequer sonhado com isso: a velocidade de todas as charretes era essencialmente a mesma, fosse você rico ou pobre; as carruagens dos ricos não eram muito mais velozes do que as carroças dos camponeses e os trens carregavam todos à mesma velocidade (eles não possuíam velocidades diferentes até começarem a competir com o automóvel e o avião). Assim, até a virada do século, a elite não viajava a uma velocidade diferente do povo. O automóvel iria mudar tudo isso: pela primeira vez as diferenças de classe seriam estendidas à velocidade e aos meios de transporte".

E assim criou-se a hierarquia social no trânsito ainda tão visível em países como o nosso. Sair pela cidade a bordo de um SUV (utilitário urbano), como aquele carrão da propaganda em que o motorista se gaba de "fi - car mais alto que os outros" e se sentir poderoso, dá ao condutor a falsa ideia de que ele pode mais e está mais protegido. Por "poder mais" entenda que ele se acha no direito de colar no motorista da frente porque é grande e de espremer um carro forçando a entrada em sua frente sem sequer acionar a seta de direção. Enquanto isso, quem dirige um automóvel com motor 1.0 ou com mais de cinco anos de uso é encarado como uma mosca chata zunindo ao redor da cabeça.

Você é o trânsito "O que falta é as pessoas perceberem que cada uma é uma parte do trânsito e que as relações entre elas deve ser de colaboração", afi rma o sociólogo e consultor de trânsito Eduardo Biavati. Isso nada mais é que a metáfora da engrenagem. Cada peça com seu lugar e função e o entendimento comum de que tudo está interligado. Não dá mais para cada pessoa achar que está sozinha na rua; também não há como fechar os olhos para realidades tão simples como o espaço que os ciclistas vêm conquistando. Eles fazem parte do sistema trânsito e não é passando com o carro por cima de uma dúzia deles que a situação vai retroceder. "O ciclista tem seus deveres e direitos assegurados pelo Código Nacional de Trânsito", afi rma Thiago Benicchio, biker de carteirinha e fundador da ONG Ciclocidade.

Segundo Benicchio, o motorista atento a pontos básicos pode garantir a harmonia na sempre atribulada relação veículo-bicicleta: manter distância lateral de 1,5 metro do ciclista, não buzinar, dirigir em velocidade reduzida perto do ciclista e não ultrapassá- lo para entrar numa rua à direita ou à esquerda. "Se as pessoas não fazem isso com um caminhão, devem entender que ultrapassar um ciclista em velocidade elevada para entrar à direita na sua frente é muito mais perigoso, devido ao deslocamento de ar", explica.

O maior problema nessa equação, como dito acima, está no fato de as pessoas não se encararem como iguais. Em vez disso, parece que todos saem às ruas com uma venda nos olhos ou com os olhos voltados para o seu próprio umbigo e totalmente vulneráveis aos fatores que os fazem perder a educação. Daí a partir para o ataque basta um vacilo do motorista da frente. "Estudiosos da agressividade apontam que fatores como aglomerações, calor, barulho e poluição correlacionamse a episódios de agressão. Se pensarmos que um congestionamento pode reunir muitos desses fatores, o trânsito é potencialmente estressor, levando muitas pessoas, já expostas a outros estressores, ao seu limite emocional", explica Cláudia Aline Soares Monteiro, da Universidade Federal do Maranhão, autora de estudo sobre a agressividade do motorista brasileiro.

Segundo ela, todos reagem diante de situações que perturbam e essas reações variam. "Uma pessoa agressiva pode não reagir agressivamente diante de algo estressante por estar em uma situação em que não há possibilidade de agressão, ou por ter aprendido a reagir de forma não agressiva na resolução de seus problemas. Enquanto que alguém calmo pode ter uma reação agressiva por estar em uma situação que permite e até incentiva isso." Resumindo, o trânsito é um ambiente em que as pessoas não somente externam sua irritação e impaciência com um congestionamento, mas também se aproveitam (inconscientemente) para descarregar outros incômodos. O cenário, diga-se de passagem, é totalmente favorável, porque em geral os motoristas estão sozinhos no carro e escondidos atrás da película escura, garantindo seu anonimato.

Sem saída Mas se simplesmente aceitarmos essa situação porque ela é assim, e ponto, onde vamos parar? Mesmo que houvesse fi scalização e punição efi cientes, só isso não seria sufi ciente. Não é a lei que ensina às pessoas valores de cordialidade e de respeito aos outros. Isso vem do berço. É com a família que aprendemos a ser educados, e nosso comportamento como motoristas é um espelho da forma como nossos pais dirigem. Afi - nal, as crianças aprendem por repetição e copiam os adultos. Fechar um cruzamento, avançar sobre um pedestre e não dar passagem não tem nada a ver com o excesso de veículos, com a enchente ou a falta de transporte público de qualidade que desanima qualquer um a trocar o carro pelo ônibus. "Além da educação, o modo de vida que adotamos, cujos valores se pautam na competitividade, na velocidade e no consumo, nos tem feito desconsiderar as noções de convívio social, de respeito ao espaço público, de coletivo e de ética", afi rma Gislene Maia de Macedo, psicóloga da Universidade Federal de Pernambuco, que estudou a irritabilidade dos motoristas paulistanos.

No livro Fé em Deus e Pé na Tábua, o sociólogo Roberto DaMatta aponta o individualismo sobre rodas como um grande problema do trânsito. "A tão falada questão da educação não diz respeito somente a cultivar a paciência diante dos sinais e respeitá-los", escreve. "Trata-se de ensinar que o sujeito ao lado existe como cidadão. Que ele, por ser desconhecido, não pode ser tratado como um inferior ou um débil mental." A mensagem de DaMatta é que devemos olhar ao redor e observar.

Leon James, professor de psicologia da Universidade do Havaí, também defende a importância de observar o outro e a si próprio. Anos de pesquisa acerca das atitudes dos motoristas norte-americanos levaram- no a concluir que a condução colaborativa é uma boa medida para melhorar o convívio nas ruas. "É preciso que as pessoas treinem para ter uma nova visão do trânsito. A solução para sofrer menos é adotar uma atitude de tolerância em relação aos outros, baseada na conscientização de que a competição prejudica a todos", afi rma.

O professor não está pedindo para a vida ser só sorrisos nas ruas. O que ele propõe é que cada um identifi que em si os três pontos que ele batizou de Estratégia AWM (Acknowledge/ reconhecer, Witness/testemunhar, Modify/modifi car). Nessa identifi cação, James ensina que a pessoa deveria pensar: Eu reconheço que sou um motorista/ciclista/ motociclista ou pedestre agressivo e tenho que mudar para ser um cidadão e uma pessoa melhor; eu testemunho quando tenho sentimentos e pensamentos agressivos enquanto dirijo; eu modifi co minhas emoções e pensamentos enquanto dirijo. "Também é importante o motorista se colocar no lugar do pedestre, que sofre com calçadas mal conservadas, com a ausência de faixas para a travessia e com a agressividade de quem dirige", diz Eduardo Biavati. O especialista em segurança no trânsito

também enfatiza que existe uma grande margem de transformação na mão das pessoas. É questão de colocar em prática. Para exemplifi car, ele cita a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança no Brasil. No começo, muitos resistiram e hoje é hábito. Com a cordialidade e a educação no trânsito pode ser igual. Quem sabe a princípio pareça meio boboca dar passagem ou não ultrapassar o carro que está mais lento, mas, com o tempo, vai que a gentileza pega de vez. É uma ideia nirvânica demais? Pode ser. Mas certamente é uma das saídas para o caos no trânsito.

Livros Fé em Deus e Pé na Tábua, Roberto DaMatta, Rocco Por Que Dirigimos Assim?, Tom Vanderbilt, Campus/Elsevier Apocalipse Motorizado, Ned Ludd (org.), Conrad

Rush. Era com essa palavra inglesa que no Brasil de décadas atrás nos referíamos aos horários de pico no trânsito - o começo e o fim do dia. O rush, naquela época, era traduzido em uma pessoa chegar 15 minutos mais tarde a algum lugar. Sim, míseros 15 minutos eram sinal de que as coisas não iam muito bem. Falar em atraso semelhante hoje equivale a dizer que (ufa, graças a Deus!) chegamos na hora, fomos pontuais. O tempo gasto em deslocamentos nos grandes centros urbanos tem piorado ano a ano. Moradores de cidades como São Paulo, por exemplo, perdem cerca de 2 horas e 40 minutos diários dirigindo num ritmo de tartaruga. É um teste de paciência que poucos tiram de letra e com bom humor.

Não é fácil perceber-se privado da mobilidade em um ambiente em que deveria ocorrer o inverso. O automóvel, afi nal, foi inventado para transportar as pessoas com mais rapidez que um cavalo, carroça ou trem e não para imobilizá-las, como praticamente acontece hoje nas cidades mais populosas do mundo. Não é novidade o fato de que, abarrotadas de veículos, elas estão quase parando. Mas poucos percebem que junto com isso há uma transformação social que não se resolve com políticas de mobilidade urbana: as pessoas estão cada vez mais desumanas no trânsito e não dá para engatar a marcha à ré e fugir dessa realidade.

O incrível é que esse comportamento foi anunciado há tempos. Em 1950, quando o Brasil somava 426 mil veículos (hoje somente a capital paulista conta 7 milhões), a Walt Disney Company lançou o curta-metragem Motor Mania retratando como o boapraça Pateta se transformava em um "monstrorista" ao simples girar da ignição de seu carro. Bastava ele pisar no acelerador para arreganhar os dentes, eriçar os pelos e sair dirigindo como um desvairado, metendo a mão na buzina, xingando e costurando os outros motoristas (para assistir ao fi lme, digite "Pateta no Trânsito", no YouTube). Visionário que era, Disney não só fez uma crítica ao comportamento ao volante como também já preconizava como as relações entre os motoristas se agravariam.

Na defensiva Essa mudança sobre rodas é reflexo do comportamento individual das pessoas, aliado ao sistema de trânsito de cada país e à eficiência (ou não) da fi scalização e punição dos infratores. "Na Suíça, os condutores param diante da faixa de pedestres ou das placas ‘Pare’ até quando não tem gente por perto", conta Patrícia Cabral, que vive mudando de país devido às transferências do marido, executivo de multinacional. Em contrapartida, em países megapopulosos como a Índia, a situação é completamente inversa. Nova Délhi, que foi ranqueada em uma pesquisa da IBM como a quinta cidade com o trânsito mais desgastante do mundo (seguida por São Paulo), é um desafi o até para os mais destemidos. Além dos elementos básicos do trânsito - pedestres, bicicletas, motocicletas, carros, vans, carretas, ônibus e caminhões -, há riquixás, carroças, charretes, vacas, cachorros, elefantes, cavalos, camelos, cortejos fúnebres a pé e, claro, um mar de pessoas que, sem espaço nas calçadas, invade as ruas de caminho rente ao meio-fi o. Tudo isso embalado por um buzinaço incessante de enlouquecer qualquer um.

No livro Por Que Dirigimos Assim?, o jornalista norte-americano Tom Vanderbilt cita uma explicação do ex-líder de policiamento de trânsito de Nova Délhi sobre o caos nas ruas: "A presença de uma vaca em uma área urbana congestionada não representa um perigo (...), também força o motorista a desacelerar. O impacto geral é reduzir a tendência de exceder a velocidade e de um comportamento imprudente e negligente ao volante." Ao ler isso, entendi por que não vi um acidente de trânsito grave quando estive na Índia. Presenciei discussões entre motoristas (o do nosso riquixá quando ele raspou num carro novinho, por exemplo) que não resvalaram para a agressividade, fi caram só em alguns xingamentos.

Em outros países, a situação não é bem essa. Aqui mesmo, no Brasil, uma discussão mais acalorada entre condutores pode resultar em agressão física e até em tiroteio. Por que isso acontece? Não porque a sociedade ocidental ande armada até os dentes, mas porque as pessoas, principalmente quem as que dirigem carros, saem de casa com um pensamento bélico na mente. "Elas têm a sensação de que em algum momento vão ser sacaneadas enquanto estão dirigindo e já se previnem contra isso", diz Pedro Paulino, psicólogo do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ou seja, já giramos a chave predispostos a sermos atacados e a nos defender - "e reagir contra qualquer tipo de violência é inato do ser humano", justifica Paulino.

Selva no asfalto
O resultado é um rosário de mau comportamento. Motoristas que fecham cruzamentos, que jogam farol alto no carro da frente porque ele está devagar, que aceleram tão logo o semáforo abre forçando a barra para o pedestre atravessar correndo. Sem falar nos apressados crônicos que fazem conversões proibidas, dirigem na contramão e não fi cam felizes se não sentam a mão na buzina vez ou outra. É um imbróglio tremendo que embute valores de hierarquia social e de pseudoproteção.

No artigo "A Ideologia Social do Automóvel "(publicado no livro Apocalipse Motorizado), o fi lósofo austro-francês André Gorz escreve: "Quando foi inventado, o carro tinha a fi nalidade de proporcionar a alguns burgueses muito ricos um privilégio totalmente inédito: o de circular muito mais rapidamente do que todos os demais. Ninguém até então tinha sequer sonhado com isso: a velocidade de todas as charretes era essencialmente a mesma, fosse você rico ou pobre; as carruagens dos ricos não eram muito mais velozes do que as carroças dos camponeses e os trens carregavam todos à mesma velocidade (eles não possuíam velocidades diferentes até começarem a competir com o automóvel e o avião). Assim, até a virada do século, a elite não viajava a uma velocidade diferente do povo. O automóvel iria mudar tudo isso: pela primeira vez as diferenças de classe seriam estendidas à velocidade e aos meios de transporte".

E assim criou-se a hierarquia social no trânsito ainda tão visível em países como o nosso. Sair pela cidade a bordo de um SUV (utilitário urbano), como aquele carrão da propaganda em que o motorista se gaba de "fi - car mais alto que os outros" e se sentir poderoso, dá ao condutor a falsa ideia de que ele pode mais e está mais protegido. Por "poder mais" entenda que ele se acha no direito de colar no motorista da frente porque é grande e de espremer um carro forçando a entrada em sua frente sem sequer acionar a seta de direção. Enquanto isso, quem dirige um automóvel com motor 1.0 ou com mais de cinco anos de uso é encarado como uma mosca chata zunindo ao redor da cabeça.

Você é o trânsito "O que falta é as pessoas perceberem que cada uma é uma parte do trânsito e que as relações entre elas deve ser de colaboração", afi rma o sociólogo e consultor de trânsito Eduardo Biavati. Isso nada mais é que a metáfora da engrenagem. Cada peça com seu lugar e função e o entendimento comum de que tudo está interligado. Não dá mais para cada pessoa achar que está sozinha na rua; também não há como fechar os olhos para realidades tão simples como o espaço que os ciclistas vêm conquistando. Eles fazem parte do sistema trânsito e não é passando com o carro por cima de uma dúzia deles que a situação vai retroceder. "O ciclista tem seus deveres e direitos assegurados pelo Código Nacional de Trânsito", afi rma Thiago Benicchio, biker de carteirinha e fundador da ONG Ciclocidade.

Segundo Benicchio, o motorista atento a pontos básicos pode garantir a harmonia na sempre atribulada relação veículo-bicicleta: manter distância lateral de 1,5 metro do ciclista, não buzinar, dirigir em velocidade reduzida perto do ciclista e não ultrapassá- lo para entrar numa rua à direita ou à esquerda. "Se as pessoas não fazem isso com um caminhão, devem entender que ultrapassar um ciclista em velocidade elevada para entrar à direita na sua frente é muito mais perigoso, devido ao deslocamento de ar", explica.

O maior problema nessa equação, como dito acima, está no fato de as pessoas não se encararem como iguais. Em vez disso, parece que todos saem às ruas com uma venda nos olhos ou com os olhos voltados para o seu próprio umbigo e totalmente vulneráveis aos fatores que os fazem perder a educação. Daí a partir para o ataque basta um vacilo do motorista da frente. "Estudiosos da agressividade apontam que fatores como aglomerações, calor, barulho e poluição correlacionamse a episódios de agressão. Se pensarmos que um congestionamento pode reunir muitos desses fatores, o trânsito é potencialmente estressor, levando muitas pessoas, já expostas a outros estressores, ao seu limite emocional", explica Cláudia Aline Soares Monteiro, da Universidade Federal do Maranhão, autora de estudo sobre a agressividade do motorista brasileiro.

Segundo ela, todos reagem diante de situações que perturbam e essas reações variam. "Uma pessoa agressiva pode não reagir agressivamente diante de algo estressante por estar em uma situação em que não há possibilidade de agressão, ou por ter aprendido a reagir de forma não agressiva na resolução de seus problemas. Enquanto que alguém calmo pode ter uma reação agressiva por estar em uma situação que permite e até incentiva isso." Resumindo, o trânsito é um ambiente em que as pessoas não somente externam sua irritação e impaciência com um congestionamento, mas também se aproveitam (inconscientemente) para descarregar outros incômodos. O cenário, diga-se de passagem, é totalmente favorável, porque em geral os motoristas estão sozinhos no carro e escondidos atrás da película escura, garantindo seu anonimato.

Sem saída Mas se simplesmente aceitarmos essa situação porque ela é assim, e ponto, onde vamos parar? Mesmo que houvesse fi scalização e punição efi cientes, só isso não seria sufi ciente. Não é a lei que ensina às pessoas valores de cordialidade e de respeito aos outros. Isso vem do berço. É com a família que aprendemos a ser educados, e nosso comportamento como motoristas é um espelho da forma como nossos pais dirigem. Afi - nal, as crianças aprendem por repetição e copiam os adultos. Fechar um cruzamento, avançar sobre um pedestre e não dar passagem não tem nada a ver com o excesso de veículos, com a enchente ou a falta de transporte público de qualidade que desanima qualquer um a trocar o carro pelo ônibus. "Além da educação, o modo de vida que adotamos, cujos valores se pautam na competitividade, na velocidade e no consumo, nos tem feito desconsiderar as noções de convívio social, de respeito ao espaço público, de coletivo e de ética", afi rma Gislene Maia de Macedo, psicóloga da Universidade Federal de Pernambuco, que estudou a irritabilidade dos motoristas paulistanos.

No livro Fé em Deus e Pé na Tábua, o sociólogo Roberto DaMatta aponta o individualismo sobre rodas como um grande problema do trânsito. "A tão falada questão da educação não diz respeito somente a cultivar a paciência diante dos sinais e respeitá-los", escreve. "Trata-se de ensinar que o sujeito ao lado existe como cidadão. Que ele, por ser desconhecido, não pode ser tratado como um inferior ou um débil mental." A mensagem de DaMatta é que devemos olhar ao redor e observar.

Leon James, professor de psicologia da Universidade do Havaí, também defende a importância de observar o outro e a si próprio. Anos de pesquisa acerca das atitudes dos motoristas norte-americanos levaram- no a concluir que a condução colaborativa é uma boa medida para melhorar o convívio nas ruas. "É preciso que as pessoas treinem para ter uma nova visão do trânsito. A solução para sofrer menos é adotar uma atitude de tolerância em relação aos outros, baseada na conscientização de que a competição prejudica a todos", afi rma.

O professor não está pedindo para a vida ser só sorrisos nas ruas. O que ele propõe é que cada um identifi que em si os três pontos que ele batizou de Estratégia AWM (Acknowledge/ reconhecer, Witness/testemunhar, Modify/modifi car). Nessa identifi cação, James ensina que a pessoa deveria pensar: Eu reconheço que sou um motorista/ciclista/ motociclista ou pedestre agressivo e tenho que mudar para ser um cidadão e uma pessoa melhor; eu testemunho quando tenho sentimentos e pensamentos agressivos enquanto dirijo; eu modifi co minhas emoções e pensamentos enquanto dirijo. "Também é importante o motorista se colocar no lugar do pedestre, que sofre com calçadas mal conservadas, com a ausência de faixas para a travessia e com a agressividade de quem dirige", diz Eduardo Biavati. O especialista em segurança no trânsito

também enfatiza que existe uma grande margem de transformação na mão das pessoas. É questão de colocar em prática. Para exemplifi car, ele cita a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança no Brasil. No começo, muitos resistiram e hoje é hábito. Com a cordialidade e a educação no trânsito pode ser igual. Quem sabe a princípio pareça meio boboca dar passagem ou não ultrapassar o carro que está mais lento, mas, com o tempo, vai que a gentileza pega de vez. É uma ideia nirvânica demais? Pode ser. Mas certamente é uma das saídas para o caos no trânsito.

Livros:

Fé em Deus e Pé na Tábua, Roberto DaMatta, Rocco

Por Que Dirigimos Assim?, Tom Vanderbilt, Campus/Elsevier

Apocalipse Motorizado, Ned Ludd (org.), Conrad


FONTE

sexta-feira, 11 de março de 2011

Carta de desagravo à Folha de SP

Esta carta foi escrita e enviada à diversos e-mails de contato do jornal Folha de São Paulo em 10/03/2011.
Tentei o contato com o jornalista Rodrigo Vizeu, mas o mesmo não me deu retorno.
Publico aqui na íntegra para conhecimento de todos.


Nem todo brasileiro é apaixonado por carros


É com indignação e repúdio que redijo esta carta de desagravo, a qual tem como objetivo esclarecer sobre a matéria publicada na Folha. Intitulada “Com "bicicletadas", ativistas declaram guerra aos "monstroristas", a matéria foi escrita pelo jornalista Rodrigo Vizeu e publicada em 9/03/2011. (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/886188-com-bicicletadas-ativistas-declaram-guerra-aos-monstroristas.shtml)


Entre os dias 3 e 4 de março, O sr. Rodrigo Vizeu entrou em contato por telefone dizendo que estava montando uma matéria sobre a repercussão da tentativa de homicídio coletivo que aconteceu contra participantes da Massa Crítica (Bicicletada) de Porto Alegre, em 25/02/2011.


Como participante - e não representante – da Bicicletada Brasília, conversei longamente com o repórter e falei claramente sobre a situação de quem usa a bicicleta como meio de transporte, não só em Brasília como em todo o país. Falamos também das diversas manifestações em apoio à Massa Crítica de Porto Alegre, que acontecem não só no Brasil, mas também em outros países onde o fenômeno desmotorizado chamado “Critical Mass” se realiza há vários anos.


Infelizmente, o jornalista não captou o teor das conversas ou preferiu dar um tom sensacionalista para a questão, transformando a matéria em um ponto de divergência e certamente de polêmica, o que, de fato, pode contribuir para essa “guerra velada” que o citado repórter fez questão de criar.


Em momento algum, eu afirmei que sou contra o uso do carro. Defendo seu uso de forma racional e defendo, acima de tudo, o direito dos pedestres, ciclistas e pessoas com dificuldades de locomoção. Não se pode publicar algo com tanta falta de responsabilidade. O tom da matéria, a começar pelo título, é desrespeitoso e tem a clara intenção de criar um clima de terror e agressão entre motoristas e usuários de bicicleta.


Expressões como "monstroristas", "mautoristas", "frustrados que compraram carro para respirar fumaça", "covardes", todas citadas na matéria, não são usadas genericamente. Não é assim que nos referimos a qualquer pessoa atrás de um volante. Tais expressões são usadas em diversas situações para fazer referência aos milhares de motoristas que usam seus carros com egoísmo, transformando-os em uma arma que ameaça e ceifa milhares de vidas ao ano.


Acredito que a lei tenha que ser mais dura e exemplar para pessoas como o sr. Ricardo Neis, que utilizou o seu veículo como arma num momento de frustração pessoal e raiva incontida e fez um “strike” nas pessoas que participavam da celebração alegre realizada pela Massa Crítica em Porto Alegre.


O repórter Rodrigo Vizeu teria sido mais feliz se usasse outros elementos das conversas que teve com as pessoas citadas na reportagem. Não as conheço, mas tenho a tranquilidade de dizer que, assim como eu, elas também foram solícitas e contribuíram com a reportagem achando que fosse uma forma de esclarecer e fazer cessar os estados de ânimos alterados, consequência da tragédia em Porto Alegre.


O repórter poderia ter citado o valor absurdo que os governos brasileiros (em âmbitos federal, estadual, distrital e municipal) gastam anualmente com as mortes e internações hospitalares decorrentes dos incontáveis acidentes de trânsito em todo o país e fazer um contraponto com o valor irrisório investido em campanhas de educação e sensibilização. O Denatran e o Detran de cada unidade da federação disponibilizam em seus sites diversas pesquisas, anuários e boletins que esclarecem esses pontos.


Faltou dizer que, por natureza, grande parte das pessoas que se envolvem com a Massa Crítica em todo o planeta são pessoas que usam a bicicleta como meio de transporte diário e que pedalam a maior parte do tempo sozinhas, sofrendo toda forma de agressão no trânsito. Tais pessoas convivem com a indiferença e omissão por parte dos governos constituídos e de alguns “mautoristas” que, certos da impunidade e da falta de fiscalização, são capazes de qualquer ato para chegar mais rápido ao seu destino.


Faltou informar que, por natureza, as pessoas que se envolvem com a Bicicletada em todo o Brasil são pessoas com ideias e propostas reais de soluções para o caos que vivemos nos grandes centros urbanos. São pessoas que compreendem o problema e não aceitam viver na condição de abmudos. Por isso, dedicam grande parte de seu tempo para fazer a interlocução com os governos, pois somente por rmeio de políticas públicas sérias e eficientes é que conquistaremos cidades mais humanas e boas para se viver.


O desenvolvimento de atividades efetivas como o “Bike Anjo” em SP (citado ao final da matéria), é louvável e são bem vistas e recorrentes entre os cicloativistas de diversas partes do mundo. Os usuários de bicicletas que querem e tentam contribuir para a expansão e consolidação da cultura da bicicleta no Brasil se envolvem profudamente nas diversas questões relacionadas a esse tema e, felizmente, estão conseguindo sensibilizar cada vez mais a população e, aos poucos, também os governos e outras autoridades aqui constituídas.


Não se pode aceitar que matérias escritas de forma equivocada criem um ponto de discórdia entre os usuários dos diversos modais. Trânsito seguro é aquele no qual as pessoas se tratam com gentileza e respeito, é aquele onde o maior respeita o menor e os motorizados zelam pelas vidas dos não motorizados.


É com o desejo de esclarecimento e não de confronto que finalizo e assino esta carta de desagravo.


Atenciosamente,

Renato Zerbinato