quarta-feira, 21 de julho de 2010

Brasília: uma cidade de futuro?

(enviado por Tamer Américo)

Brasília é a capital dos carros O baixo investimento no transporte público e o crescimento acelerado da frota de veículos fazem do DF um território em que faltam vagas e sobram reclamações dos pedestres

Adriana Bernardes
Publicação: 21/07/2010 07:52

A cidade sonhada por Lucio Costa tem avenidas amplas que se perdem no horizonte. Tem pilotis livres e espaços preenchidos por muito verde que, depois de surrados pelo ir e vir dos pedestres, transformam-se em caminhos calçados, não onde o administrador acha que convém, mas onde os pés do povo escolhem pisar. Imaginou-se para Brasília o convívio harmônico entre automóveis e pedestres. Mas passados 50 anos da construção da capital, não é isso que se vê.

Quem passa pelo Setor de Autarquias Sul costuma se deparar com cenas como essas diariamente: área verde degradada pela irregularidade.

A falta de investimento em transporte público, o inchaço populacional das cidades ao redor de Brasília, a concentração de empregos no Plano Piloto e a renda do brasiliense têm relação direta com o crescimento da frota. Resultado: as avenidas já não conseguem dar vazão a tantos carros. Até junho deste ano, o Departamento de Trânsito (Detran) tinha registrado 1.182.368 veículos. O crescimento médio da frota gira em torno de 8% ao ano.

A violência no trânsito fez 424 vítimas ano passado. Dessas, 27,1% ou 115 pessoas estavam a pé quando perderam a vida e outras 42 (9,9%) eram ciclistas. Boa parte deles dividia o espaço com os carros porque, apesar da topografia quase plana — altamente favorável ao transporte por meio de bicicleta —, Brasília tem apenas 42km de ciclovia concluídos.

Para o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no DF (Iphan), Alfredo Gastal, “a paisagem da cidade está sendo destruída pelo excesso de carros”. Ele critica a falta de investimentos no transporte público. “Temos 2,2 pessoas para cada carro em circulação, um índice muito elevado”, destaca Gastal. “As ciclovias são um transporte limpo, democrático, adotadas no mundo inteiro. É inaceitável que o GDF não invista corretamente para construir vias para os ciclistas. Seria uma forma excelente de tirar os carros da rua e reduzir o trânsito”, diz a promotora de Defesa da Ordem Urbanística Luciana Medeiros, do Ministério Público do DF. Para o governo, o Programa de Transporte Urbano do DF — Brasília Integrada é o único capaz de dar a mobilidade que o DF precisa (veja quadro).

Conflitos
Em blitz no Setor Bancário Sul, o Detran encontrou carros estacionados em um retorno e nas calçadas - ()
Em blitz no Setor Bancário Sul, o Detran encontrou carros estacionados em um retorno e nas calçadas

O crescimento acelerado e constante da frota gera outros conflitos. O tempo de casa até o trabalho aumentou e o brasiliense amarga minutos preciosos em congestionamentos ou “pontos de lentidão”. Também falta lugar para deixar tantos veículos, desculpa de muitos para deixá-los estacionados sobre as calçadas, em filas duplas e em áreas verdes. Os setores Bancário e de Autarquias — nas asas Sul e Norte — estão entre os mais críticos.

No Setor de Autarquias Sul, o Correio flagrou dezenas de carros estacionados irregularmente. De tanto o motorista deixar os veículos sobre a grama, a extensa faixa verde que dividia a calçada das vagas regulamentadas — na altura da Quadra 1 — se transformou em um tapete de terra vermelha. Os condutores também param nas curvas e até em terrenos inclinados sobre o gramado do viaduto pouco antes do acesso a L2 Sul.

Na tarde de quarta-feira (14), a reportagem se deparou com uma blitz do Detran na Quadra 2 do Setor Bancário Sul. Havia carros parados sobre a calçada e ao longo dos dois lados da pista, o que é proibido. Os condutores praticamente interditaram um retorno porque deixaram os carros nos dois lados da via. As placas de vagas exclusivas para idosos e para embarque e desembarque não impediram que os motoristas fizessem o uso indevido do local.

Menos de 10 minutos após a chegada dos agentes, dezenas de motoristas desceram dos prédios para tentar se salvar da punição. Perto dos agentes, sorrisos e desculpas ditas em voz baixa e tom de súplica. Longe deles, palavras de inconformismo com a cobrança de cumprimento da lei. “Alguém aí tem uma trouxa de roupa para esse povo do Detran lavar? Eles estão precisando é de serviço”, comentou um rapaz com o amigo. Uma mulher que teve o veículo multado porque parou na esquina de um retorno desabafou com um flanelinha. “Esses (palavrão) me multaram. Cambada de (outro palavrão). É um absurdo.” Nenhum dos motoristas multados quis dar entrevista.

Acostumado a estacionar na região, o advogado Thiago Lemos, 25 anos, — que não foi multado —, reclamou com os agentes sobre a sinalização precária. “O Detran precisa melhorar a sinalização. Aqui neste ponto é permitido estacionar, mas a pintura do chão está apagada. É complicado porque a quantidade de carros é grande e não tem vaga. As pessoas acabam deixando em qualquer lugar”, comentou.

O comércio local da Asa Sul também não tem espaço para acomodar os clientes, que acabam deixando os veículos nas quadras residenciais, gerando transtornos para quem vive nas redondezas. Em 2009, quando o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) decidiu cobrar dos condutores o respeito à legislação, os comerciantes foram às ruas protestar contra a fiscalização e propuseram transformar as áreas verdes localizadas nas pontas das quadras em estacionamentos provisórios. O governo montou uma comissão dentro da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Seduma) para propor alternativas. Até hoje, nenhum projeto foi apresentado.


A Brasília de Lucio Costa
"Fixada a rede geral do tráfego de automóvel, estabeleceram-se tanto nos setores centrais como nos residenciais tramas autônomas para o trânsito local dos pedestres a fim de garantir-lhes o uso livre do chão, sem, contudo, levar tal separação a extremos sistemáticos e antinaturais, pois não se deve esquecer que o automóvel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconciliável do homem, domesticou-se, já faz, por assim dizer, parte da família. Ele só se 'desumaniza, readquirindo vis-à-vis do pedestre, feição ameaçadora e hostil, quando incorporado à massa anônima do tráfego"
Memorial do Plano Piloto de Brasília

A solução para a cidade
"Brasília precisa reformar 100% do sistema de transporte coletivo adotando uma frota moderna, bonita para compor paisagem e eficiente. Só assim as pessoas vão se sentir incentivadas a deixar o carro em casa. É preciso investir no transporte limpo. A cidade é plana, muito propícia ao uso da bicicleta mas, mesmo quem tem interesse não encontra as condições favoráveis. Não há ciclovias ou ciclofaixas, nem local para deixar bicicleta ou tomar banho e trocar de roupa. E por fim, como não há como eliminar os veículos existentes, há que se investir em estacionamentos verticais para eliminar as ocupações de áreas irregulares (calçadas e espaços verdes)"
José Lelis de Souza, doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo


Denuncie (será que resolveria algo... ?)

Programa de Transporte Urbano do DF — Brasília Integrada
O projeto Brasília Integrada é apontado pelo governo como a solução para resolver os problemas de trânsito e transporte. Dentro do programa existem muitas vertentes, como a integração entre itinerários de ônibus e metrô, a ampliação das vias, a expansão do metrô e a construção do Veículo Leve sobre Trilho (VLT), além do incentivo aos meios de transporte alternativos, como bicicletas.

Ampliação da Estrada Parque Taguatinga (EPTG-DF-085)
O fluxo que era de 150 mil veículos deve dobrar a capacidade quando a obra for concluída. Estão sendo feitas algumas passarelas, quatro complexos de viadutos, vias marginais com duas faixas cada, quatro pistas de cada lado na via principal (sendo uma delas exclusiva para ônibus, feita de concreto) e uma ciclovia. São 26km de extensão (ida e volta) a um custo de R$ 245 milhões. O Banco Mundial financia 70% da obra e os 30% restantes são a contrapartida do GDF.

Programa Cicloviário do Distrito Federal
Do projeto inicial, que previa a construção de 600km de ciclovias/ciclofaixas, o governo entregou apenas 42km. Atualmente, 125km estão em obras. Nas próximas semanas, dois dos quatro trechos que vão interligar as cinco estações do metrô de Ceilândia começarão a ser construídos e vão custar R$ 3,8 milhões. Em Santa Maria, há um trecho de 15km que está sendo reformado e, no Recanto das Emas, outros 33km. Rodovias como a Estrada Parque Vicente Pires e a EPTG terão ciclovias. O programa chegou a ter uma gerência para cuidar exclusivamente dos estudos e planejamento das ciclovias, mas ela foi extinta recentemente.

Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)
O governo dividiu as obras em três trechos. O trecho 1 tem 6,5km e vai do aeroporto até o Terminal Sul. Recebeu recursos de R$ 361 milhões do governo federal por meio do Programa de Infraestrutura e Transporte e Mobilidade Urbana, o Pró-Transporte. A verba também será aplicada na duplicação da DF 047 — que liga o aeroporto ao Eixão Sul. As obras devem começar ainda este ano e a previsão é que sejam concluídas em novembro de 2012. O trecho 2 é o maior, com 8,7km. Compreende o percurso entre o Terminal Sul e a 502 Norte. O viaduto em frente ao Setor Policial Sul e o Centro de Manutenção já começou a ser construído, mas a obra está parada porque o governo ficou devendo documentação que está sendo analisada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O terceiro e último trecho vai da 502 Norte ao Terminal Norte (7,4km), mas ainda não há previsão para ser iniciado.

Estacionamento subterrâneo
O GDF está ajustando o orçamento para licitar a construção, a implantação, a sinalização, a operação e a manutenção de estacionamentos em áreas públicas. Serão criadas 10.574 vagas subterrâneas e de superfície nos setores Comercial Sul, Bancário Norte, Bancário Sul, Autarquias Sul, Hospitalar Norte e na Esplanada. As obras estão estimadas em R$ 300 milhões.


Fonte: Comitê de Obras do Governo do Distrito Federal e Codeplan.

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